domingo, 25 de março de 2012

INTERTEXTUALIDADE

TEMPO DE QUERER
(Elen Nunes)
...
E por acaso não sabes que
O poeta é um fingidor e que
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente?
Não entendes que
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada?
É assim que é feito.
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
E como é bom
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Então não hesite
Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo...
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.
Apressa-te
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
Não te preocupes
Volta a ser criança em meus braços pois
Só a inocência e a ignorância são
Felizes, mas não o sabem. São-no ou não?
Que é ser sem o saber? Ser, como a pedra,
Um lugar, nada mais.
Isso nada importa pois
Quanto mais fundamente penso, mais
Profundamente me descompreendo.
O saber é a inconsciência de ignorar...
Não temas...chega mais perto
E vem comigo sonhar
Um sonho permitido pela cumplicidade
Pois nos tornamos um já que
Eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
E em minha voz a tua voz.

Elen Nunes
(Poema criado a partir de fragmentos de poemas de Fernando Pessoa)

INTERTEXTUALIDADE


A competência linguística, no que diz respeito à leitura e a escrita, passa pela nossa vivência, pelo nosso conhecimento de mundo, ou seja,  pelas leituras que realizamos ao longo de nossas vidas. Por isso, para reconhecer uma “intertextualidade” é necessário um conhecimento maior sobre outros textos, tomados estes num sentido bem amplo, como os orais, escritos, visuais, artes plásticas, cinema, propaganda,  música, entre outros.

Quanto mais amplo nosso cabedal de conhecimentos maior será nossa competência para perceber que um texto dialoga com outros por meio de alusões, referências, citações, parafraseando, ou mesmo utilizando-se da paródia, nas epígrafes, traduções, de forma implícita,  explicitamente ou mesmo nas pressuposições.  

Em algumas vezes, as referências são facilmente identificadas pelo leitor, mas há referências e alusões bem sutis, que só poderão ser identificadas por leitores que possuam o mesmo universo cultural.
Quem lê deve identificar, reconhecer, entender a remissão a outras obras, textos ou trechos.

Como exemplos de intertextualidade podemos citar:
A música "Bom Conselho" de Chico Buarque que faz alusão a alguns provérbios, facilmente identificados.

Bom Conselho
Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio vento na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
           (Chico Buarque, 1972)

A música "Monte Castelo" de Renato Russo que da mesma forma faz alusão ao poema de Luis de Camões “Amor é fogo que arde sem se ver” e com o texto bíblico “O amor é um dom supremo” escrito pelo apóstolo Paulo à Igreja de Corinto; fazendo também alusão do título “Monte Castelo” a uma batalha da Segunda Guerra Mundial, vencida por soldados da Força Expedicionária Brasileira, batalha na qual, apesar da vitória, morreram mil pracinhas.

Monte Castelo
(Renato Russo)

Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria
É só o amor, é só o amor.
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom não quer o mal.
Não sente inveja ou se envaidece.
Amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria
É um não querer mais que bem querer
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É um estar-se preso por vontade
É servir a quem vence o vencedor
É ter com quem nos mata lealdade
Tão contrário a si é o mesmo amor.
Estou acordado e todos dormem, todos dormem, todos dormem
Agora vejo em parte. Mas então veremos face a face
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade.
***

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